Literatvs - Cláudio Manoel da Costa: Sonetos


I

Para cantar de Amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento,
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é que de compaixão sois animados:

Já vós vistes que aos ecos magoados
Do Trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.

Bem sei, que de outros Gênios o destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino;

O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um Peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.

IV

Sou Pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.


Vós, ó troncos (lhes digo), que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;
Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.

VII

Onde estou! Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado!
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes,
Meus males, com que tudo degenera!

VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e às vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

XX

Ai de mim! como estou tão descuidado!
Como do meu rebanho assim me esqueço,
Que vendo-o tresmalhar no mato espesso,
Em lugar de o tornar, fico pasmado!

Ouço o rumor, que faz desaforado
O lobo nos redis; ouço o sucesso
Da ovelha, do Pastor; e desconheço
Não menos do que ao dono, o mesmo gado;

Da fonte dos meus olhos nunca enxuta
A corrente fatal, fico indeciso,
Ao ver quanto em meu dano se executa.

Um pouco apenas meu pesar suavizo,
Quando nas serras o meu mal se escuta
Que triste alívio! ah infeliz Dalizo!

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Publicado por Jornalismo

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