Aprovado em sua maior parte na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que ficou conhecido como “Projeto Ficha Limpa”, agora tem grandes chances de vingar.
Apesar de ter tomado visibilidade em tempos mais recentes, esse projeto carrega consigo um grande passado de discussões. A origem dos debates está na redação, ou melhor, na mais recente redação, dada pela emenda nº 04/94 ao parágrafo nono do artigo 14 da Constituição Federal.
Lembremos que a Constituição é o diploma legislativo que ocupa posição mais alta na hierarquia legal brasileira. E tal como uma Mãe, deve ser respeitada e obedecida pelas outras leis do país.
Esse artigo 14 §9º, em seu cumprido texto, que por economia aqui não transcrevo, impõe que o poder legislativo federal formule uma Lei Complementar. E por meio dela estabeleça novas hipóteses de inelegibilidade, além das já previstas na própria Constituição.
Isto é, determine situações que impeçam determinadas pessoas de serem alçadas a um ou a alguns cargos públicos. O artigo, expressamente, recomenda que, na confecção da futura lei, sejam prestigiadas a moralidade e a probidade administrativa. E, ainda, que na sua aplicação, sejam consideradas a vida pregressa do candidato, a legitimidade e a normalidade das eleições.
Em verdade - é bom que se diga - já existe uma Lei Complementar que trata de inelegibilidades-a de nº 64- mas que por ser datada de 1990, e por ter uma redação um tanto quanto truncada, logo ficou defasada. Ainda mais depois do advento do instituto da reeleição no governo FHC.
Daí a necessidade de uma nova regulamentação mais adequada a nossa realidade eleitoral e sintonizada com as exigências de proteção à moralidade administrativa trazidas pela Emenda nº04/94. No entanto, desde aquele 1994, os Excelentíssimos Senhores membros do Congresso Nacional, não se atreveram a obedecer o mandamento constitucional.
Em face dessa omissão, de lá para cá, travaram-se grandes batalhas judiciais que buscavam o reconhecimento auto-aplicabilidade daquele art. 14, §9º. Queria-se aplicá-lo mesmo sem a lei futura a que faz menção. Como quem tenta fazer um aleijado andar. Dar voz ao mudo. Ou dar cria ao estéril.
Daí, campanhas foram iniciadas visando sensibilizar o poder judiciário da necessidade de purificar o nosso quadro de representantes. Pela sociedade e pelo Ministério Público Eleitoral, foi lançada a idéia. E até com certo êxito inicial. Até que o Supremo Tribunal Federal, em 2008, à época já presidido por Sua Excelência o Min. Gilmar Mendes Dantas, numa decisão com efeitos vinculantes a todo o judiciário, negou satisfação a este desejo social.
Denegou-se aplicabilidade ao art. 14,§9º. Disseram os ministros necessitar ele de uma lei que o regulamentasse. Que sanasse a sua limitada eficácia, a sua esterilidade.
Tanto pior, para nós, porque os parlamentares se sentem pouco motivados quando se trata de proteger a moralidade administrativa. Seria ferir a própria carne. Tanto melhor, para eles, os políticos, que não se veriam preocupados com os processos criminais e de improbidade que lhes roubam um bocado do sono. E, é claro, o de seus respectivos apoiadores pelo Brasil afora.
Dadas estas condições, coube a sociedade brasileira se organizar. A CNBB, como já havia feito em outros momentos históricos, liderou o movimento e, com a ajuda de várias entidades, conseguiu reunir mais de 1.600.000 assinaturas de eleitores em todo o país. Foi, então, apresentado um projeto de lei de iniciativa popular à Câmara dos Deputados. A sociedade brasileira reage contra a omissão de seus próprios representantes eleitos.
Prevê o projeto, com as alterações efetivadas pelos deputados, o cancelamento do registro de candidatura ou diploma e a decretação da inelegibilidade, por oito anos, aos candidatos que tiverem contra si sentença judicial transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado pela prática de crimes contra o patrimônio público, tráfico de entorpecentes, trabalho escravo, lavagem de dinheiro, contra a vida e a dignidade sexual, e formação de quadrilha, entre outros. Além disso, não poderão se candidatar os condenados, por órgão colegiado, pela prática de improbidade administrativa, na modalidade dolosa, que impliquem prejuízo ao erário ou enriquecimento ilegal.
Previu-se, ainda, a possibilidade de que o eventual candidato interponha recurso contra a decisão que o condenou visando suspender a inelegibilidade. Tal suspensão só poderá ser concedida se ficar demonstrada, de forma plausível, a provável inocência do candidato. Depois de encerrado o trâmite na Câmara, o projeto segue para o Senado Federal.
Fica claro, desde já, que a proposta inicial foi bastante flexibilizada. E poderá ser mais, no que depender dos ilustres deputados e senadores. Os jornais de Brasília noticiaram, essa semana, que já houve tentativas, por parte dos parlamentares, de implantar modificações a fim de retirar do projeto hipóteses de inelegibilidade importantes. Como, por exemplo, a prática de crimes de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contra o patrimônio público além de ilícitos eleitorais graves.
É natural que os políticos sintam grande antipatia pelo projeto. Como afirmou outrora o O Povo, se aprovado, o projeto atinge direta ou indiretamente 213 deputados federais e 28 senadores. Para muitos deles, ficar 8 anos sem poder se candidatar significaria a morte política. Ou mesmo a chegada da fome. De forma que muitos dos nossos representantes pedem cuidado todo especial na votação do projeto.
Será cautela ou medo de perder o paletó?
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* Texto escrito e enviado por Heitor Amorim Muniz - Bacharelando em Direito
Apesar de ter tomado visibilidade em tempos mais recentes, esse projeto carrega consigo um grande passado de discussões. A origem dos debates está na redação, ou melhor, na mais recente redação, dada pela emenda nº 04/94 ao parágrafo nono do artigo 14 da Constituição Federal.
Lembremos que a Constituição é o diploma legislativo que ocupa posição mais alta na hierarquia legal brasileira. E tal como uma Mãe, deve ser respeitada e obedecida pelas outras leis do país.
Esse artigo 14 §9º, em seu cumprido texto, que por economia aqui não transcrevo, impõe que o poder legislativo federal formule uma Lei Complementar. E por meio dela estabeleça novas hipóteses de inelegibilidade, além das já previstas na própria Constituição.
Isto é, determine situações que impeçam determinadas pessoas de serem alçadas a um ou a alguns cargos públicos. O artigo, expressamente, recomenda que, na confecção da futura lei, sejam prestigiadas a moralidade e a probidade administrativa. E, ainda, que na sua aplicação, sejam consideradas a vida pregressa do candidato, a legitimidade e a normalidade das eleições.
Em verdade - é bom que se diga - já existe uma Lei Complementar que trata de inelegibilidades-a de nº 64- mas que por ser datada de 1990, e por ter uma redação um tanto quanto truncada, logo ficou defasada. Ainda mais depois do advento do instituto da reeleição no governo FHC.
Daí a necessidade de uma nova regulamentação mais adequada a nossa realidade eleitoral e sintonizada com as exigências de proteção à moralidade administrativa trazidas pela Emenda nº04/94. No entanto, desde aquele 1994, os Excelentíssimos Senhores membros do Congresso Nacional, não se atreveram a obedecer o mandamento constitucional.
Em face dessa omissão, de lá para cá, travaram-se grandes batalhas judiciais que buscavam o reconhecimento auto-aplicabilidade daquele art. 14, §9º. Queria-se aplicá-lo mesmo sem a lei futura a que faz menção. Como quem tenta fazer um aleijado andar. Dar voz ao mudo. Ou dar cria ao estéril.
Daí, campanhas foram iniciadas visando sensibilizar o poder judiciário da necessidade de purificar o nosso quadro de representantes. Pela sociedade e pelo Ministério Público Eleitoral, foi lançada a idéia. E até com certo êxito inicial. Até que o Supremo Tribunal Federal, em 2008, à época já presidido por Sua Excelência o Min. Gilmar Mendes Dantas, numa decisão com efeitos vinculantes a todo o judiciário, negou satisfação a este desejo social.
Denegou-se aplicabilidade ao art. 14,§9º. Disseram os ministros necessitar ele de uma lei que o regulamentasse. Que sanasse a sua limitada eficácia, a sua esterilidade.
Tanto pior, para nós, porque os parlamentares se sentem pouco motivados quando se trata de proteger a moralidade administrativa. Seria ferir a própria carne. Tanto melhor, para eles, os políticos, que não se veriam preocupados com os processos criminais e de improbidade que lhes roubam um bocado do sono. E, é claro, o de seus respectivos apoiadores pelo Brasil afora.
Dadas estas condições, coube a sociedade brasileira se organizar. A CNBB, como já havia feito em outros momentos históricos, liderou o movimento e, com a ajuda de várias entidades, conseguiu reunir mais de 1.600.000 assinaturas de eleitores em todo o país. Foi, então, apresentado um projeto de lei de iniciativa popular à Câmara dos Deputados. A sociedade brasileira reage contra a omissão de seus próprios representantes eleitos.
Prevê o projeto, com as alterações efetivadas pelos deputados, o cancelamento do registro de candidatura ou diploma e a decretação da inelegibilidade, por oito anos, aos candidatos que tiverem contra si sentença judicial transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado pela prática de crimes contra o patrimônio público, tráfico de entorpecentes, trabalho escravo, lavagem de dinheiro, contra a vida e a dignidade sexual, e formação de quadrilha, entre outros. Além disso, não poderão se candidatar os condenados, por órgão colegiado, pela prática de improbidade administrativa, na modalidade dolosa, que impliquem prejuízo ao erário ou enriquecimento ilegal.
Previu-se, ainda, a possibilidade de que o eventual candidato interponha recurso contra a decisão que o condenou visando suspender a inelegibilidade. Tal suspensão só poderá ser concedida se ficar demonstrada, de forma plausível, a provável inocência do candidato. Depois de encerrado o trâmite na Câmara, o projeto segue para o Senado Federal.
Fica claro, desde já, que a proposta inicial foi bastante flexibilizada. E poderá ser mais, no que depender dos ilustres deputados e senadores. Os jornais de Brasília noticiaram, essa semana, que já houve tentativas, por parte dos parlamentares, de implantar modificações a fim de retirar do projeto hipóteses de inelegibilidade importantes. Como, por exemplo, a prática de crimes de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contra o patrimônio público além de ilícitos eleitorais graves.
É natural que os políticos sintam grande antipatia pelo projeto. Como afirmou outrora o O Povo, se aprovado, o projeto atinge direta ou indiretamente 213 deputados federais e 28 senadores. Para muitos deles, ficar 8 anos sem poder se candidatar significaria a morte política. Ou mesmo a chegada da fome. De forma que muitos dos nossos representantes pedem cuidado todo especial na votação do projeto.
Será cautela ou medo de perder o paletó?
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* Texto escrito e enviado por Heitor Amorim Muniz - Bacharelando em Direito
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