Adeus professora *

Esta semana faleceu uma professora que me deu aulas há trinta anos. Morreu com pouco mais de sessenta. Raros mestres me incomodaram tanto quanto ela. Logo em nosso primeiro contato disse pressentir que eu lhe daria muito trabalho.

Falou isso porque, na minha adolescência, eu costumava escrever a data dentro de um coração. Lamentavelmente, ela morreu solteira, nunca se casou, e hoje talvez eu até entendesse melhor a sua irritação, mas não aos treze anos de idade.

Ela me assombrou a sexta série inteira, e quando não gostava do que era realizado, simplesmente arrancava a folha do caderno e mandava fazer novamente. Sua caneta vermelha era capaz de rabiscar um trabalho inteiro e os riscos, profundos, chegavam a marcar as duas ou três folhas seguintes.

Alguns, menos afortunados, eram chamados de “burros” e seus cadernos de “lixo”. A maioria dos alunos tinha medo dela, mas pior que se sentir amedrontado era ser humilhado na frente de todos. Isso ela fez muito, com vários alunos, por anos seguidos.

Quando começava o ano seguinte, ela olhava para a nossa cara e dizia: vocês de novo! Lógico que a gente igualmente pensava: ela novamente, não! Mas, superamos. O tempo passou para todos nós, também para ela.

É interessante notar que quando algo nos incomoda muito, como um espinho, mesmo com a sua retirada, continua a doer. Algumas coisas simplesmente marcam para sempre, e não há como esquecer quando a memória é boa.

Isso, obviamente, não tem nada a ver com rancor. Ela já foi perdoada há muito tempo, ao menos por mim, mas em algum lugar lá longe, no passado, parece ainda existir uma menina amedrontada e humilhada, dentro de uma sala de aula cheia.

Só pra quem tem curiosidade em saber, eu fui sua melhor aluna naquele ano, levando-a a se retratar também na frente de todos, ocasião em que disse que os melhores alunos sempre mereciam a nota máxima. Assim, ela pode ter partido, mas não morreu para mim, visto que está eternizada em minhas lembranças.

Chorei sua morte, como Davi chorou a morte de Saul. Eram inimigos, mas talvez não tenha existido maior respeito entre rivais. Mesmo nas ocasiões em que Davi poderia tê-lo exterminado, não o fez, pois não ousava ferir o ungido de Deus.

É o próprio Senhor quem utiliza as pessoas para fortalecer nosso espírito e nos guiar até os seus propósitos. Assim, nada acontece por acaso nem pessoa alguma faz parte de nossa vida por um descuido.

Certamente gostamos daquelas que nos amam, incentivam e torcem por nós, mas às vezes, necessitamos igualmente das que nos maltratam, sufocam e humilham, pois elas nos dão a oportunidade de mostrar quem verdadeiramente somos, exercitando nosso caráter, nossas virtudes, facultando-nos opções diferenciadas de relacionamento.

A todos os professores um grande abraço e um pequeno alerta. Vocês desempenham papel fundamental no desenvolvimento de nossas crianças, adolescentes, e jovens. Aprendam a olhar nos olhos dos alunos, pois verão que ali existem pessoas em desenvolvimento. Nem sempre podem adivinhar o que se espera deles.

Também não estão preparados para lidar com preconceitos que não possuem. Às vezes, uma data dentro de um coração significa apenas que o mundo parece bem mais terno e bonito quando se tem somente 13 anos.

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* Texto escrito e enviado por Maria Regina Canhos Vicentin - Escritora - e-mail:contato@mariaregina.com.br - http://www.mariaregina.com.br/
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Publicado por Jornalismo

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