Tolerância Perigosa - Editorial do Jornal Notícias do Vale

Tolerância perigosa

A tolerância é sempre uma virtude. Este ensinamento está presente em todos os textos bíblicos e também nos manuais de boas maneiras que buscam ensinar as saudáveis regras da convivência social.

Nesta balada, pais toleram os arroubos da juventude dos filhos que passam invariavelmente pelo tempo da adolescência em que tudo que é bom fica ruim e os estranhos valem bem mais que aqueles que o cercam com amor, carinho e tolerância.

Também professores toleram alunos trabalhosos, revoltados, que não enxergam possibilidades palpáveis no mundo da livre concorrência que vai transformando pessoas em números e resultados.

Religiosos toleram praticantes que não se dobram aos ensinamentos e esperam a cada dia um novo perdão para suas faltas, sem a resignação de que poderá transformá-lo em fiel atento, conformado e feliz.

Esposas toleram maridos aventureiros e arrogantes que acreditam na possibilidade de noitadas, farras e infidelidades se transformarem em rotina comum, um dia, abençoadas pela cobertura da Lei.

Maridos toleram esposas vaidosas, descuidadas com os afazeres domésticos, mas extremamente atentas aos acontecimentos da rua, no disse-me-disse que percorre a comunidade com velocidade maior que a luz. Há aqueles que Já toleram, até mesmo, a infidelidade. Todos toleram e são tolerados, pois sem isto a vida seria uma dureza sem fim e consumiria a todos no fogo ardente da barbárie.

Há, entretanto, tolerâncias que são perigosas e podem se transformar em conivências. Em Icó, por exemplo, é fácil observar que a sociedade é por demais tolerante com acontecimentos que vão destruindo a vida da cidade e de seus moradores sem que se expresse qualquer sinal de rebeldia.

Declaradamente os recursos do município escapam pelo ralo sem que a sociedade se sinta prejudicada em suas pretensões de cidadania e bem viver. Riquezas e mais riquezas vão se acumulando em poucas mãos sem que haja qualquer contestação sobre a melhoria na divisão da renda e, em consequência, da riqueza.

Assistimos impassíveis ao tormento do transporte escolar em que jovens adolescentes são carregados de longas distâncias em carrocerias de caminhões que mais parecem carro de boi, levando desconfortavelmente, aqueles que serão o futuro da comunidade. O transporte, que é público, é custeado pelo trabalho incansável de seus pais, pagadores de impostos, embutidos em tudo quanto compram.

A fragilidade da segurança pública permite que a bandidagem se estabeleça impondo regras. Assaltos a mão armada, ameaças e sequestros vão fazendo parte de uma rotina descomunal com a qual todos aprendem a convier e tolerar. Três dias depois do assalto ao Banco do Brasil em Icó ninguém falava mais sobre o assunto.

Parece normalidade que criminosos armados entrem em instituição bancária federal e saiam tranquilamente carregando sacos de dinheiro como se nada estivesse acontecendo. Depois ninguém fala mais, todos estão esperando qual será o próximo assalto e com que malícia os assaltantes executarão seus planos.

A sociedade está aprendendo a conviver com o caos, com o descalabro público e com a deficiência da instituição governamental. Este comportamento é muito ruim, pois permite que a lei seja tratada pelo avesso e que aqueles que lutam com caráter pela moral e pela decência, sejam confundidos e declarados inoportunos e anarquistas. A falta de compaixão é perigosa, a insensibilidade também, a tolerância conivente, muito mais.
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* Texto do Editorial do Jornal Notícias do Vale - Edição 184
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Publicado por Jornalismo

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