Patativa: "O Vaqueiro"

Trazemos esta bela poesia neste dia especial em homenagem a esta pessoa que engrandeceu a cultura cearense.





"O Vaqueiro"


Eu venho dêrne menino, 
  Dêrne munto pequenino, 
  Cumprindo o belo destino 
  Que me deu Nosso Senhô. 
  Eu nasci pra sê vaquêro, 
  Sou o mais feliz brasilêro, 
  Eu não invejo dinhêro, 
  Nem diproma de dotô. 
  

  Sei que o dotô tem riquêza, 
  É tratado com fineza, 
  Faz figura de grandeza, 
  Tem carta e tem anelão, 
  Tem casa branca jeitosa 
  E ôtas coisa preciosa; 
  Mas não goza o quanto goza 
  Um vaquêro do sertão. 
  

  Da minha vida eu me orgúio, 
  Levo a Jurema no embrúio 
  Gosto de ver o barúio 
  De barbatão a corrê, 
  Pedra nos casco rolando, 
  Gaios de pau estralando, 
  E o vaquêro atrás gritando, 
  Sem o perigo temê. 
  

  Criei-me neste serviço, 
  Gosto deste reboliço, 
  Boi pra mim não tem feitiço, 
  Mandinga nem catimbó. 
  Meu cavalo Capuêro, 
  Corredô, forte e ligêro, 
  Nunca respeita barsêro 
  De unha de gato ou cipó. 
  

  Tenho na vida um tesôro 
  Que vale mais de que ôro: 
  O meu liforme de côro, 
  Pernêra, chapéu, gibão. 
  Sou vaquêro destemido, 
  Dos fazendêro querido, 
  O meu grito é conhecido 
  Nos campo do meu sertão. 
  
  O pulo do meu cavalo 
  Nunca me causou abalo; 
  Eu nunca sofri um galo, 
  pois eu sei me desviá. 
  Travesso a grossa chapada, 
  Desço a medonha quebrada, 
  Na mais doida disparada, 
  Na pega do marruá. 
  

  Se o bicho brabo se acoa, 
  Não corro nem fico à tôa: 
  Comigo ninguém caçoa, 
  Não corro sem vê de quê. 
  É mêrmo por desaforo 
  Que eu dou de chapéu de côro 
  Na testa de quarqué tôro 
  Que não qué me obedecê. 
  

  Não dou carrêra perdida, 
  Conheço bem esta lida, 
  Eu vivo gozando a vida 
  Cheio de satisfação. 
  Já tou tão acostumado 
  Que trabaio e não me enfado, 
  Faço com gosto os mandado 
  Das fia do meu patrão. 
  

  Vivo do currá pro mato, 
  Sou correto e munto izato, 
  Por farta de zelo e trato 
  Nunca um bezerro morreu. 
  Se arguém me vê trabaiando, 
  A bezerrama curando, 
  Dá pra ficá maginando 
  Que o dono do gado é eu. 
  

  Eu não invejo riqueza 
  Nem posição, nem grandeza, 
  Nem a vida de fineza 
  Do povo da capitá. 
  Pra minha vida sê bela 
  Só basta não fartá nela 
  Bom cavalo, boa sela 
  E gado pr’eu campeá. 
  

  Somente uma coisa iziste, 
  Que ainda que teja triste 
  Meu coração não resiste 
  E pula de animação. 
  É uma viola magoada, 
  Bem chorosa e apaxonada, 
  Acompanhando a toada 
  Dum cantadô do sertão. 
  

  Tenho sagrado direito 
  De ficá bem satisfeito 
  Vendo a viola no peito 
  De quem toca e canta bem. 
  Dessas coisa sou herdêro, 
  Que o meu pai era vaquêro, 
  Foi um fino violêro 
  E era cantadô tombém. 
  

  Eu não sei tocá viola, 
  Mas seu toque me consola, 
  Verso de minha cachola 
  Nem que eu peleje não sai, 
  Nunca cantei um repente 
  Mas vivo munto contente, 
  Pois herdei perfeitamente 
  Um dos dote de meu pai. 
  

  O dote de sê vaquêro, 
  Resorvido marruêro, 
  Querido dos fazendêro 
  Do sertão do Ceará. 
  Não perciso maió gozo, 
  Sou sertanejo ditoso, 
  O meu aboio sodoso 
  Faz quem tem amô chorá.
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Publicado por Jornalismo

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